sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A SAUDADE É A CHAVE

Alguns reencontros deveriam ser tão fáceis quanto pegar uma chave no bolso para abrir uma porta; eu gostaria que algumas pessoas fossem guardadas no meu bolso, não para aprisioná-las, mas para tê-las por perto sempre que eu sentisse saudade. E a saudade é torturante, ela aperta com nós de um só, só desatado quando em nós de ‘pertezas’ que despertam a vida para novas saudades... mais cruéis! Matar saudade é como beber água após um período de intensa sede, é uma saciedade de equilíbrio do lado de dentro, que pode ser sentida imediatamente ou depois de uma nova tortura. 
Há os que precisam sentir muito para sentir mais, outros não conseguem nem pensar em sentir para querer matar; existem os colecionadores de saudade que não moram porque gostam de se multiplicar em muitos, e outros que gostam de ser maiores sendo em poucos. Sendo de qualquer forma o que se sabe é que a saudade é um ioiô que brinca com a gente... um vai e vem de voltas; que sempre volta. Que de um jeito ou outro sempre descobre o caminho de volta. Volta de outras maneiras, por outros caminhos, por outras direções e motoristas, ela sempre retorna. E o pior retorno são daquelas que não conseguem ir embora, e se tornam imortais e inconvenientes: chegam, sentam, tomam lugares, algumas tomam todos os lugares e até sufocam. Ladras do tempo, do sono... tomam tanto o lado de dentro que apertadas, fazem lágrimas caírem na tentativa de se esticar e se alongar... Alongar no tempo, e nos dias, na vida. 
É, algumas não morrem nunca! E para não morrerem de fome chamam a atenção: gritam, pulam, batem, machucam... E engordam, estremecendo tudo nas tentativas de andar... Essas saudades fecham portas, fecham as janelas do horizonte, resumem a casa em quitinete.
Mas existem saudades que quando entendidas dão mansões e transplantam olhos; que não vão embora, mas que levam o acompanhante para morar em outro lugar. Porque há mais inquilinos que precisam de vida em nós... Outros em nós também querem dizer, olhar, cantar... É preciso aprender com a saudade, porque temos muitos outros moradores em nós; e a vida é o alimento dos inquilinos de dentro, ela distribuída faz a casa se transformar em cidade, e da cidade um mundo que tem festa todo dia. Crescer por dentro traz a possibilidade de ouvir músicas diferentes todo dia, e sentir saudade todo dia, de um jeito que transfere o que foi vivido em eternidades, possibilidades, encontros. Nada é apagado, mas guardado... O bolso é o coração que armazena pessoas, fazer o perto morar do lado de fora é viver sabendo que não dá pra lutar com a saudade, mas reconhecer que vencido, pode segurar na mão dela e entender que o sorriso da lembrança é melhor do que a revolta pelo o que não volta. 
Saudade boa é saudade morta? Não, saudade boa é saudade viva, renovada a cada dia de uma vida bem vivida!

(Rodolfo Goulart)

Um comentário:

  1. Uma palavra para esse texto: EITA!

    Não vou negar que estou um pouco mal, porque percebi que sou o "só" que carrega os nós de uma saudade que nunca foram desatados (sendo assim, uma saudade ainda mais cruel).
    Essas saudades que não morrem nunca, ficam eternizadas nas gavetas da alma e bem cuidadas nos cofres do coração, por isso são como ioiôs (aliás, que bela definição ♥️).

    A saudade é tão doce e ao mesmo tão amarga, que o fato dela não ter tradução em outras línguas - e no nosso sentir - explica muita coisa.

    Que felicidade te ler menino poeta!
    Que seja só o começo do seu recomeço nesse mundo de delicadezas.

    ��

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